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Uma expedição científica com um cheirinho de férias: A caminhada infernal – 4 de agosto

Foto do escritor: Diogo OliveiraDiogo Oliveira

A ideia destes posts nasceu pouco depois de regressar, e para a maioria eu atribui logo um nome e tinha uma ideia do que iria escrever. Hoje partilho este post sabendo que a floresta esteve em chamas... o título parece encaixar na perfeição para o momento pelo qual o Parque atravessou, mas foi escolhido pelo que aconteceu naquele dia de 4 de agosto de 2024. E não pelo que aconteceu em janeiro de 2025...

Centenas de animais fugiram das chamas, para uma floresta que vai encolhendo a cada ano que passa, e que qualquer dia não terão floresta para onde fugir. As populações não tem propriamente culpa, apenas tentam ter mais terrenos de cultivo para alimentar as suas famílias. Este balanço entre áreas naturais e áreas humanizadas é complicado de determinar, em Portugal praticamente perdemos as áreas naturais e temos manchas criadas pelo ser humano (monoculturas e terrenos agrícolas). Saber que aquele espaço verde pode desaparecer, deixa-me triste, pois se algum dia regressar não irei encontrar nada do que vi na primeira visita que tanto me marcou...



Os primeiros passos

A vontade de entrar na floresta era muita! Tínhamos tudo preparado, mochilas arrumadas, equipamento separado, câmaras e objetivas prontas. Antes de nos fazermos à estrada, foi necessário separar tudo por sacos de arroz, que seriam transportados por jovens da cidade de Ranomafana. Estes jovens chegaram ao centro ValBio ao raiar do sol, estávamos nós ainda a dormir para dizer a verdade. Muitos deles encontravam-se descalços, com uma simples t-shirt e uns calções. As manhãs em Madagáscar eram frias, e por isso, eu estava de casaco e calças, e ainda tinha umas boas botas de caminhada. A diferença de vestuário era assustadora, e fez-me ter imenso respeito por eles.

É impressionante a capacidade daqueles jovens, e a verdade é que foram uma grande ajuda. Pois sem eles, nunca seria possível fazer o que fizemos, não tínhamos capacidade de transportar o equipamento todo, mais o equipamento de campismo e ainda a nossa roupa. Sem falar do equipamento de fotografia, só eu teria de levar uns 60 quilos às costas... aguentava uma hora e tinham de me ir resgatar imediatamente. Assim que entregámos os sacos de arroz, eles rapidamente definiram o que cada um deles iria carregar, e eles fizeram-se ao caminho. Nós ficámos à espera dos nossos dois guias, e seguimos as pisadas dos guias com alguns minutos de atraso. Começando a nossa guerra contra as horas! Isto porque tínhamos de chegar cedo de forma a ainda conseguirmos montar redes nessa noite!


Bamboo lemurs

A entrada do parque era a mesma dos dias anteriores, e depois de passarmos pelos pórticos de controlos chegávamos novamente à mítica ponte amarela que marcava a passagem entre a civilização e a floresta. A mesma que me faz lembrar a entrada do Parque Jurássico, e novamente a música entoava na minha cabeça.

Desta vez íamos com um propósito... chegar ainda de dia ao acampamento, era a nossa missão! Claro que questionámos os nossos guias de quanto tempo é a caminhada, e a resposta deles foi umas seguras três horas de caminhada. Mal eles sabiam.

Pouco tempo depois de começarmos a caminhar dentro da floresta avistámos os primeiros lémures. Claro que eu ia completamente preparado para caminhar, com a câmara guarda na mochila, tripé super preso para não cair. E por isso, assim que cheguei ao local onde foram avistados os lémures tive de passar pelo terrível processo de retirar a mochila das costas, pegar no equipamento, voltar a meter a mochila às costas e começar à procura de ângulo para os conseguir fotografar.

Na verdade eles estavam super tranquilos a comer bamboo. Caminhando por entre os ramos para chegar às partes mais interessantes. Foram uns bons dez minutos a fotografá-los, para depois ser alertado que tínhamos de seguir caminho!!!



Caminhar e fotografar

A preguiça instalava-se, não me apetecia ter de tirar a mochila sempre que visse algo interessante para chegar à câmara fotográfica. Mas também não conseguia andar com o equipamento todo cá fora, ou fotografava aves e lémures, ou procurava insetos e outros invertebrados para fotografar com a macro. No final escolhi os lémures, acho que pelas razões mais óbvias.

Isso significava que iria com a objetiva 200-600 acoplada a uma das câmaras, neste caso a Sony A7 IV, deixando a Sony A7R IV com a objetiva macro para ter melhor resolução ao encontrar algum invertebrado. Tinha ainda o flash sempre preso na câmara, algo que se revelou fatal para o mesmo, mas irei explicar o que aconteceu noutro dia.

A caminhada era sempre a subir, seguida de descidas acentuadas. A região de Ranomafana possui diversas ribeiras, que ao atravessarem a região moldam a rocha, criando vales atrás de vales. E para chegar ao primeiro acampamento, teríamos de subir e descer diversos destes vales. Parando de x em x minutos para descansar, ou aproveitando quando encontrávamos algum animal para o fazer enquanto eu ia tentando tirar umas fotografias.

Os nossos guias eram claramente mais rápidos que nós, e usualmente quando os alcançávamos eles estavam claramente há mais de dez minutos sentados à nossa espera. As aves foram o grupo mais complicado de fotografar, raramente dando grandes oportunidades para ter um plano limpo. A verdade é que estávamos no meio de uma floresta tropical, super densa para a luz do sol chegar ao solo. E mesmo usando o flash, o ambiente era tão escuro que a câmara tinha dificuldades em focar o assunto que eu pretendia, acabando por focar o fundo onde existia alguma luz e ignorando por completo a ave no galho às escuras à minha frente. Mas quando acertava, lá conseguia umas fotografias para apresentar.





A surpresa ao virar da esquina

Estávamos há mais de quatro horas a caminhar! Bem, naqueles momento finais diria que já me estava a arrastar lentamente e não a caminhar.

Pelo meio ainda encontrámos uma família de "brown lemurs" que saltitava entre as árvores mesmo acima das nossas cabeças. Não foi fácil fotografá-los pois não paravam quietos, e quase não tinha forças para levantar a câmara com a objetiva 200-600 mm. Mas com algum esforço lá consegui alguns registos.

Entretanto a restante equipa continuou a caminhada, pois já não estávamos longe do local do acampamento. Eu acabei por ter de acelerar o passo para os conseguir alcançar, e quando o fiz havia uma surpresa à minha espera, um fabuloso golden bamboo lemur, meio a dormir, que ali ficou imenso tempo a olhar para nós. Uma oportunidade única, que aproveitei com todas as minhas forças. Ao ponto de tirar o tripé e ainda conseguir realizar algumas filmagens dele.

Mas aí a minha vida complicou, entretanto os guias seguiram pois o acampamento era no final da descida, e comunicaram que haviam mais animais à frente e lá fui eu a correr pela floresta com um tripé nas mãos a tentar fotografar e filmar os próximos lémures. Infelizmente estava atrás de uma árvore a comer bamboo e não deu grandes fotografias.

E assim chegámos ao acampamento. Estávamos vivos, mas ainda era preciso montar a tenda e preparar tudo para ir capturar morcegos. Nesta aventura aprendemos uma coisa, a duração não é igual para todos. Os guias disseram que íamos demorar cerca de três horas a chegar ao acampamento, mas esqueceram-se de nos avisar que era "malagasy time"... para eles foi um sacríficio vir tão devagar pela floresta.

Ahhh e quase me esquecia dos carriers, ainda nem a meio caminho íamos quando eles passaram por nós de regresso a Ranomafana! Nessa altura eu achava que estávamos perto.



Primeira noite de capturas

Nunca soube tão bem chegar ao acampamento e tirar a mochila das costas. Não tivemos muito tempo de descanso, pois era necessário montar a tenda, deixar tudo arrumado, localizar o equipamento necessário para montar as redes de captura e ir montar tudo antes do jantar. Mas esse período em que estivemos de volta das tendas foi o suficiente para recuperar energias.

Felizmente a tenda não era difícil de montar, e deixámos os colchões prontos para depois da sessão de captura não termos trabalho e irmos apenas dormir. Até porque naquele momento era o que já me apetecia fazer, fisicamente estava de rastos, mas mentalmente queria ir capturar morcegos e procurar animais à noite na floresta! De certeza que iria encontrar animais fixes.

Montámos as redes e esperámos pelo anoitecer, o que não demorou muito, e inicialmente apenas capturámos aves, o que foi fixe porque eram os únicos animais que podia tirar da rede, visto a vacina da raiva estar esgotada em Portugal e fiquei impossibilitado de a fazer em tempo útil. O guarda-rios foi fantástico, com aquela poupa esmeralda.

Entretanto fui encontrando diversos invertebrados que fui fotografando até chegar a hora do jantar. Inicialmente pensei em deixar a câmara na zona das capturas com o resto da equipa, mas depois lembrei-me que por vezes aparecem alguns animais à procura de uma refeição fácil. E bolas tinha razão, e estava sentado descansado a comer e a única coisa que fiz foi acender a lanterna. E mesmo ali à minha frente! Uma Malagasy Civet à procura de restos, atraída pelo cheiro da comida. Caminhando entre o local de refeições e as diversas tendas do acampamento. Permitindo tirar algumas fotografias antes de desaparecer na floresta, surgindo num local completamente diferente.



Invertebrados e anfíbios na noite de Madagáscar

A noite de capturas não correu muito bem, pois não conseguimos capturar nenhum morcego. Mas entre o período de espera e de visita às redes caminhei para trás e para a frente à procura de animais para fotografar. E a noite não decepcionou, entre anfíbios, insetos e aranhas, consegui fotografar imensas espécies. A maioria ainda nem tive tempo de identificar, ou procurar algo semelhante (vai ser trabalho para os próximos meses).

Num rasgo de sorte encontrei a primeira cobra, quando a Talya disse: uma cobra! E na realidade era uma planária amarela super bonita, que ela confundiu com uma cobra. Mas mesmo ao lado dela, estava realmente uma cobra! Com o frio que estava quase não se mexia, tirei umas fotografias de registo e deixei-a seguir o seu caminho à procura de um refúgio quente para passar a noite.

E assim terminou este longo dia, amanhã tínhamos mais um dia de aventuras pela frente mas também de algum descanso. Adorei este primeiro dia na floresta e estava ansioso pelo próximo, tanto que quase nem consegui dormir com vontade de acordar e ir explorar a floresta no período livre que tínhamos.



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